“Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor,
quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele,
tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem” (I
Pedro 2.13,14).
Esse texto é bastante apropriado para nós: ele nos fala de consciência política. É importante observarmos esse ensinamento bíblico por dois motivos, pelo menos. Em primeiro lugar, porque percebemos que a Bíblia também fala sobre a política; ela não a coloca como algo demoníaco ou com o que os cristãos não devem de modo nenhum se envolver. É necessário desmistificar o pensamento que muitos cristãos têm sobre política.
Apesar de serem notórios entre os cidadãos do Império os excessos, as festas, as orgias e os absurdos praticados pelos imperadores de Roma, Pedro não conclamou os cristãos a se rebelar contra as instituições ou se colocar acima das mesmas para promoverem o julgamento. No entanto, ele também não disse que os cristãos devem se colocar passivamente debaixo das instituições humanas, com uma posição de ignorância. A Bíblia não admite uma postura de submissão sem reflexão. Há muitas pessoas que se sujeitam a alguma instituição simplesmente porque lhes é mais cômodo. Eles não querem pesquisar e nem estudar os princípios que regem aquela instituição, e tendem a confundir passividade com submissão – por isso vivem completamente ignorantes acerca das instituições e fazem o que fazem simplesmente porque sempre se fez daquele jeito – são como bois que, sem saber, seguem a boiada em direção ao matadouro.
Paulo não agia assim; ele era submisso às autoridades, mas não era passivo. Quando lemos acerca da sua prisão em Jerusalém, registrada em Atos 22, vemos que Paulo não era ignorante quanto às instituições humanas – ele conhecia as leis do Império em que ele vivia. Por isso, quando estava sendo amarrado para ser açoitado, Paulo disse: “Ser-vos-á, porventura, lícito açoitar um cidadão romano, sem estar condenado?” (At 22.25). Paulo fez lembrar aos seus exatores a Lex Porcia, que proibia que um cidadão romano fosse tratado com violência.
Pedro está chamando os cristãos para se colocarem abaixo das autoridades humanas. Com toda humildade, os cristãos devem reconhecer sua posição de autoridade e ser submissos a elas. Eles não devem tê-las como inimigos; antes, devem reconhecê-las como instrumentos de Deus. Ao afirmar isso, Pedro não está dizendo que os cristãos só devem se submeter às instituições que são justas aos seus olhos; pelo contrário, também àquelas autoridades civis que são injustas, arbitrárias e até mesmo não cristãs. O próprio Pedro, quando escreveu essa carta, estava vivendo debaixo do governo do imperador Nero, um homem pagão e insano. Apesar disso, Pedro se submete a ele e conclama as pessoas a fazerem o mesmo até as últimas conseqüências, que no caso de Pedro foi a morte por crucificação depois de ter-se negado a oferecer sacrifícios a outros deuses.
Às vezes existe má compreensão quanto à sujeição às autoridades civis. Essa sujeição deve ser total enquanto as autoridades não exijam que a pessoa cometa pecados contra Deus. Em Atos 5, por exemplo, vemos que os apóstolos se sujeitaram ao Sinédrio e por isso não se rebelaram quando foram açoitados, mas não se submeteram à ordem de pregar o nome de Cristo. Eles reconheceram que precisavam obedecer às autoridades, mas também que a obediência a Deus é sempre prioritária (Atos 5.29). Portanto, não importa quem é a autoridade civil sobre um determinado país; o que importa é que os cristãos devem estar em submissão a essa autoridade, dentro do limite da obediência a Deus.
Em segundo lugar, percebemos que Pedro orienta os cristãos a não serem meros observadores dos acontecimentos políticos. Eles devem, sim, se submeter às instituições humanas, mas, consciente, ativa e voluntariamente. Nas eleições no Brasil, por exemplo, o voto é obrigatório para todos os brasileiros que têm mais de 18 anos e menos de 70 anos. A obrigatoriedade do voto é uma instituição humana, estabelecida para garantir a todas as pessoas o exercício dos direitos políticos. Mas essa mesma lei também estabelece que o voto é livre, direto e secreto – ou seja, cada cidadão tem o direito de, por si mesmo, votar consciente e voluntariamente no candidato que desejar. Não devemos votar nos candidatos apresentados por quem quer que seja, mas sim naqueles que melhor se amoldam ao nosso modo de pensar.
O cristão deve entender que a sua obediência às instituições humanas deve ser conseqüência do seu conhecimento do Senhor. O cristão que conhece o Senhor sabe que Deus é quem dirige toda a história; o mundo dos homens não é dirigido pelo acaso, por demônios ou pelo próprio homem. Ele sabe que o seu Senhor é Todo-Poderoso e por isso é Ele quem, de alguma maneira e segundo os seus propósitos eternos e providenciais, faz serem elaboradas as leis. Quanto às leis injustas e anticristãs, mesmo sendo uma reivindicação totalmente legítima e relevante, o cristão não deve reclamar, murmurar ou criticar as autoridades. Antes, deve colocar os seus olhos em Deus e descansar nEle, tendo a certeza que Deus não perdeu o controle da situação e que Ele certamente tem um propósito naquilo tudo. O Senhor é bondoso e não deseja o mal ao ser humano; assim, todas as suas atitudes são boas. Mesmo as instituições aparentemente más aos olhos do homem certamente vão, em algum tempo, expressar a bondade de Deus.
Essa realidade não é facilmente entendida pelas pessoas, mas temos como exemplo a história de José, filho de Jacó, que foi vendido como escravo ao Egito pelos próprios irmãos. Deus estava dirigindo a história, e José reconheceu isso quando afirmou: “Deus me enviou adiante de vós, para conservar a vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande livramento. Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus” (Gn 45.7,8). Ainda que os padrões de bondade de Deus não sejam semelhantes aos do ser humano, o cristão que conhece ao Senhor pode descansar, reconhecendo que no final de tudo a bondade do Senhor vai se manifestar com clareza. Por isso, o cristão pode se sujeitar a toda instituição humana, porque ele sabe que acima dela está o Senhor e Ele é bom.
Pr. Aroaldo de Oliveira